Luciano de Oliveira (2004), em sua obra “Não Fale do Código de Hamurabi” (2004), escrito com base na experiência do autor como professor orientador e examinador de dissertações e teses no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Pernambuco, identifica cinco
principais problemas nos trabalhos acadêmicos na área do direito.
Os cinco principais problemas a serem evitados são:
I. DISCURSO IDEOLÓGICO E JULGAMENTOS DE VALOR
É comum encontrar nos trabalhos jurídicos uma tendência ao discurso parcial, em defesa de uma causa — o “advogado da hipótese”. Um exemplo, são os trabalhos que ao apresentar um argumento e buscar sustentá-lo, olham apenas para um lado da questão, ignorando teses e mesmo jurisprudência contrária. Por exemplo, na discussão da constitucionalidade de uma prática ou lei discutir apenas com uma vertente da doutrina e apresentar apenas a jurisprudência que de sustentação ao argumento que se quer defender. Luciano Oliveira (2004) chama atenção para a necessidade de se manter a objetividade no trabalho acadêmico jurídico.
Como trabalho acadêmico, ele deverá jungir-se a alguns princípios que o presidem, como o da objetividade e, tanto quanto possível, o da sempre problemática — mas no final das contas e em alguma medida incontornável — neutralidade axiológica. Isso não significa dizer que o pesquisador seja um sujeito politicamente neutro; que ele não possa ter, desde o início do seu trabalho, um ponto de vista a defender. Apenas quer significar que, no momento de colher na realidade — jurídica ou sociológica, pouco importa — os elementos para sustentar o seu argumento, ele deverá adotar uma postura metodológica neutra, condição indispensável para a elaboração de um trabalho que se pretenda minimamente científi co, sem a qual borraríamos qualquer diferença entre um trabalho acadêmico e o mero discurso ideológico... (Oliveira, 2004: 4).
Chama atenção também para o uso de expressões como “o melhor direito”, a melhor doutrina”, sem especificar o parâmetro de comparação, ou pior, como argumento de autoridade (aspecto abordado no
terceiro problema abaixo).
terceiro problema abaixo).
II. MANUALISMO
A segunda grande crítica que o autor faz é com relação ao que chama de “manualismo”, ou seja, a tendência dos trabalhos abordarem temas de forma ampliada e se dedicarem exaustiva e redundantemente a descrever e definir os termos associados ao tema replicando manuais.
Numa dissertação sobre o duplo grau de jurisdição, o seu autor dedica várias páginas a esmiuçar os chamados “efeitos” do mesmo, a saber: devolutivo, translativo e suspensivo... Para quê? Noutra, sobre o problema da lesão nos contratos, vinte e cinco páginas são gastas com um capítulo que parece diretamente extraído de um livro didático sobre o assunto. O título do capítulo, aliás, é mais do que típico: “A Teoria Geral dos Contratos”. Como não poderia deixar de ser, nele se abordam tópicos como: conceito, evolução e importância dos contratos; elementos e características dos contratos; interpretação dos contratos — e por aí vai. (Oliveira, 2004: 4).
III. ARGUMENTO DE AUTORIDADE E REVERENCIALISMO
O argumento de autoridade é comum em peças processuais, mas quando se trata da redação de textos acadêmicos é vedado o uso de expressões do tipo “como preleciona fulano de tal”, “segundo o magistério de sicrano”.
Luciano Oliveira Cuidado com o argumento de retórica — não se pode concluir que se tem o melhor argumento por citar a melhor doutrina.
O que é a melhor doutrina? O que é a doutrina dominante? É preciso dar referências sempre, mas referências objetivas, não reverenciais. E se falo da doutrina dominante, tenho que dizer qual é esta doutrina e porque ela é dominante — refiro-me a doutrina mais citada? Tudo bem, mas como sei que a doutrina “x” é a mais citada? Desde que se apresente referências e evidências, posso fazer esse tipo de afirmação.
Contaminação talvez do estilo adotado no foro, onde é preciso convencer o juiz de que se está com o melhor direito (e, portanto, com a melhor doutrina...), trata-se de um verdadeiro “reverencialismo” expresso em fórmulas do tipo “como preleciona fulano de tal”, “segundo o magistério de sicrano” etc., típico de advogados preocupados antes em convencer com apelos a uma retórica “coimbrã” do que em demonstrar com dados cuja força decorra da própria exposição.
Definitivamente , é preciso que os juristas se convençam de que, ao escreverem um trabalho acadêmico, não podem tratar suas hipóteses de trabalho como se estivessem defendendo causas. (Oliveira, 2004: 7)
IV. INCORPORAÇÃO ACRÍTICA DE AUTORES
A referência aos autores e às obras que constituem o embasamento teórico do trabalho é fundamental, tanto no projeto de TCC, quanto no texto final, o que inclui citações às obras. Dialogar com a literatura, especificar o marco teórico, definir conceitos, etc., são etapas essenciais do trabalho de pesquisa.
No entanto, é preciso ter cuidado com a seleção de autores e doutrinadores com os quais se vai trabalhar. Tanto no sentido de evitar contradições e incoerências das teses destes autores com o seu argumento geral, quanto no sentido de evitar trabalhar com autores com perspectivas teórico-metodológicas incompatíveis.
Luciano de Oliveira exemplifica: Em trabalhos ligados ao direito penal, é, em primeiro lugar, praticamente obrigatória a referência a Beccaria — “o Copérnico da humanização do direito penal”. Mas muitas vezes cita-se também, quase lado a lado e sem transição crítica, um autor francês contemporâneo, de citação quase indispensável nos últimos tempos quando o assunto é prisão: Foucault. Ora, aí também toda cautela é indispensável. Foucault é autor de uma crítica radical ao “humanismo” dos reformadores penais do século XVIII — em primeiríssimo lugar do próprio Beccaria —, em cujo discurso humanista ele via nada mais nada menos do que uma simples cantilena a encobrir o projeto de uma sociedade disciplinar. Essa é uma das teses fundamentais do seu provocador Vigiar e Punir. Nesse caso, citá-los sem maiores cuidados epistemológicos, é juntar coisas que, para usar uma expressão francesa bastante apropriada, “hurlent de se trouver ensemble”.
Luciano de Oliveira exemplifica: Em trabalhos ligados ao direito penal, é, em primeiro lugar, praticamente obrigatória a referência a Beccaria — “o Copérnico da humanização do direito penal”. Mas muitas vezes cita-se também, quase lado a lado e sem transição crítica, um autor francês contemporâneo, de citação quase indispensável nos últimos tempos quando o assunto é prisão: Foucault. Ora, aí também toda cautela é indispensável. Foucault é autor de uma crítica radical ao “humanismo” dos reformadores penais do século XVIII — em primeiríssimo lugar do próprio Beccaria —, em cujo discurso humanista ele via nada mais nada menos do que uma simples cantilena a encobrir o projeto de uma sociedade disciplinar. Essa é uma das teses fundamentais do seu provocador Vigiar e Punir. Nesse caso, citá-los sem maiores cuidados epistemológicos, é juntar coisas que, para usar uma expressão francesa bastante apropriada, “hurlent de se trouver ensemble”.
(Oliveira, 2004: 15).
Além disso, deve-se tomar cuidado com as citações de segunda-mão (ou terceira, quarta... etc.) — o “apud”. Só utilize esse recurso quando não houver nenhuma possibilidade de consulta e leitura à obra original, e somente quando a fonte da qual será extraída a citação for confi ável. Pois nesse tipo
Além disso, deve-se tomar cuidado com as citações de segunda-mão (ou terceira, quarta... etc.) — o “apud”. Só utilize esse recurso quando não houver nenhuma possibilidade de consulta e leitura à obra original, e somente quando a fonte da qual será extraída a citação for confi ável. Pois nesse tipo
de citação, corre-se o risco de descontextualizar o argumento do autor, e pior, reproduzir citação ou interpretação equivocada. A utilização desse recurso deve ser feita com parcimônia.
V. EVOLUCIONISMO
O quinto problema destacado por Luciano Oliveira é o que dá origem ao título de seu artigo, “Não fale do código de Hamurábi”: o recurso ao evolucionismo, ou seja, a realização de incursões históricas para explicar a origem de fenômenos recentes.
Exemplifica o autor: Num trabalho sobre justiça tributária, seu autor, em não mais do que meia página, faz um percurso de milhares de anos que começa com os egípcios — “entre os quais já se falava em contribuição dos habitantes para com as despesas públicas de acordo com as possibilidades de cada um” —, passa naturalmente pelo império romano e, no parágrafo seguinte, já está no Brasil da Constituição de 1988, a qual, obviamente, proclama todas os princípios de justiça tributária que os egípcios já intuíam... No trabalho sobre a lesão nos contratos, já referido, o seu autor, discorrendo sobre a teoria da imprevisão, diz que ela já está bem delineada no Código de Hamurábi: “Se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o campo ou destrói a colheita...” etc. (Oliveira, 2004: 10). Segundo Oliveira, o problema dessa abordagem é além do desuso, o uso inocente ao se recorrer a um universalismo a-histórico. A dica ao aluno é: quando utilizar incursões históricas, perguntar-se (i) isso é importante para o seu argumento? e (ii) em que isso contribui para o seu argumento? Acrescentaríamos aos problemas destacados por Oliveira (2006), o uso de generalizações sem base empírica e a apresentação de afirmações sobre o mundo sem comprovação ou respaldo de dados. Por exemplo, um trabalho que critica os prejuízos aos cofres públicos que determinada política pública provocou, DEVE apresentar evidências desse prejuízo. Um trabalho que argumenta que houve uma explosão de ações judiciais a partir de determinada alteração na legislação, DEVE apresentar dados que comprovem esse aumento expressivo de ações.
Exemplifica o autor: Num trabalho sobre justiça tributária, seu autor, em não mais do que meia página, faz um percurso de milhares de anos que começa com os egípcios — “entre os quais já se falava em contribuição dos habitantes para com as despesas públicas de acordo com as possibilidades de cada um” —, passa naturalmente pelo império romano e, no parágrafo seguinte, já está no Brasil da Constituição de 1988, a qual, obviamente, proclama todas os princípios de justiça tributária que os egípcios já intuíam... No trabalho sobre a lesão nos contratos, já referido, o seu autor, discorrendo sobre a teoria da imprevisão, diz que ela já está bem delineada no Código de Hamurábi: “Se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o campo ou destrói a colheita...” etc. (Oliveira, 2004: 10). Segundo Oliveira, o problema dessa abordagem é além do desuso, o uso inocente ao se recorrer a um universalismo a-histórico. A dica ao aluno é: quando utilizar incursões históricas, perguntar-se (i) isso é importante para o seu argumento? e (ii) em que isso contribui para o seu argumento? Acrescentaríamos aos problemas destacados por Oliveira (2006), o uso de generalizações sem base empírica e a apresentação de afirmações sobre o mundo sem comprovação ou respaldo de dados. Por exemplo, um trabalho que critica os prejuízos aos cofres públicos que determinada política pública provocou, DEVE apresentar evidências desse prejuízo. Um trabalho que argumenta que houve uma explosão de ações judiciais a partir de determinada alteração na legislação, DEVE apresentar dados que comprovem esse aumento expressivo de ações.